A economia dos criadores, formada por influenciadores, marcas e plataformas, movimenta bilhões e vem ganhando atenção de órgãos reguladores no Brasil e no mundo. À medida que as parcerias entre empresas e creators se tornam mais complexas e estratégicas, também crescem os riscos jurídicos e reputacionais. É nesse ponto que entra o compliance, que deixa de ser apenas um mecanismo reativo para se tornar um aliado essencial na prevenção de crises.
Segundo Fernando Manfrin, advogado especialista em Compliance, Data Privacy e Governança Regulatória, a primeira mudança de mentalidade é enxergar o compliance como ferramenta preventiva, não como freio para os negócios. “O compliance deve ser visto como uma estrutura preventiva, para garantir que a relação esteja sempre alinhada com os valores éticos, legais e morais”, afirma.
Fernando Marfim, advogado especialista Compliance, Data Privacy e Governança Regulatória
Reputações em jogo
A fusão entre a imagem do influenciador e da marca exige monitoramento constante. O caso da Adidas com Kanye West, cujo comportamento público resultou em prejuízo bilionário para a linha Yeezy, e a rescisão do contrato da Coca-Cola com Ronaldinho Gaúcho em 2012, por conta de conflito com a concorrente Pepsi, são exemplos lembrados por Manfrin para ilustrar a fragilidade dessas relações. "Quando o influenciador tem uma conduta inadequada, seja um discurso discriminatório, um comportamento ofensivo, ou até algo mais simples, como promover produtos concorrentes, isso repercute diretamente na reputação da marca. E, em um cenário de redes sociais, a repercussão pode ser imediata e devastadora”, destaca o especialista.
Para ele, a transparência na publicidade é outro ponto sensível: a falta de aviso claro sobre conteúdo patrocinado pode gerar sanções e perda de credibilidade. “No Brasil, o CONAR tem reforçado a exigência de identificação clara de posts patrocinados e já suspendeu campanhas por falhas nesse aspecto, como no caso do ‘Desinchá’”, diz Manfrin.
Compliance como parceiro estratégico
Manfrin defende que o compliance seja incorporado desde a concepção da campanha, “o principal objetivo é dar suporte para que o negócio flua da melhor maneira possível, dentro dos padrões éticos e legais exigidos. Atualmente, sabemos que um post pode viralizar em questão de segundos, por isso a ideia de que o compliance funcione como uma bússola, orientando na melhor direção, do que como bombeiro apagando o incêndio que já prejudicou a reputação”.
Para antecipar riscos, o advogado cita práticas como due diligence dos criadores, mapeamento prévio dos temas sensíveis, criação de matrizes de risco por campanha e monitoramento preventivo com escuta social. “Ter bases claras de valores e coerência nos critérios de seleção dos parceiros evita crises e garante alinhamento contínuo”, explica.
Comparado aos Estados Unidos e à Europa, o Brasil ainda está em fase de adaptação. “O Brasil tem evoluído bastante, mas ainda atua de forma reativa e segmentada. Para termos maior segurança e proteger tanto os consumidores quanto as empresas, será fundamental avançarmos para um modelo regulatório mais preventivo, alinhado aos avanços digitais”, avalia Manfrin. Ele ressalta que a solução não passa apenas por leis, "o que vai muito além de legislações, entendo que seja primordial educação digital, e uma melhor revisão das empresas com relação a seus contratados".