A inteligência artificial está redesenhando a indústria da comunicação com uma velocidade e uma amplitude inéditas. Com um smartphone e algoritmos generativos, qualquer usuário pode hoje escrever roteiros, editar imagens, traduzir e dublar vídeos em questão de minutos. Essa combinação dissolve fronteiras entre amador e profissional, marca e criador, consumidor e produtor — redefinindo quem detém a voz e a audiência no ambiente digital.
Os números confirmam a dimensão do fenômeno. Segundo levantamento da BrandLovers, 63% dos criadores consultados em dezembro de 2024 já utilizavam IA em suas produções, e as projeções indicam que 90% dos criadores brasileiros adotarão a tecnologia nos próximos meses. Globalmente, a creator economy cresce cerca de 20% ao ano e, segundo o Goldman Sachs, pode movimentar até US$ 480 bilhões até 2027. No Brasil, a plataforma Influency.me contabiliza 2 milhões de influenciadores ativos — um aumento de 67% em doze meses, sinal claro de expansão de oferta e intensificação da concorrência.
Esse avanço explica por que marcas e agências correm para experimentar novos formatos e ferramentas. Campanhas como a da Ypê em 2024, que usou IA do TikTok para criar uma assistente virtual, e outras iniciativas visuais de grandes anunciantes demonstram o potencial da tecnologia quando ela está a serviço de uma ideia coerente. Ao mesmo tempo, a massificação dos conteúdos gerados por IA traz um risco evidente: a padronização estética e narrativa, que empobrece o repertório cultural e acelera a saturação das plataformas.
Essa não é apenas uma discussão teórica. No meu dia a dia como Chief Growth Officer da Portão 3 (P3), vejo como a tecnologia pode ser aliada para acelerar testes de comunicação, ganhar escala em campanhas e encontrar novas formas de engajamento. Mas também percebo que, se a IA for usada sem intencionalidade, a gente corre o risco de perder a autenticidade que sustenta a confiança entre marcas e pessoas. Não é só sobre produzir mais rápido; é sobre produzir com sentido.
O mercado publicitário global ultrapassou a marca de US$ 1 trilhão em 2024, e a lógica de busca por visibilidade está sendo reescrita. O SEO tradicional cede espaço ao AEO (Answer Engine Optimization), que exige formatos pensados para assistentes conversacionais e mecanismos de resposta direta. Empresas que não adaptarem suas estratégias de conteúdo a esse novo ecossistema correm o risco de desaparecer do fluxo de descobertas digitais.
As grandes plataformas também enfrentam tensões. Reportagens recentes do The Wall Street Journal apontam uma espécie de crise entre as big techs, que precisam transformar seus investimentos em IA em produtos rentáveis — sem afastar usuários com modelos de assinatura caros. O movimento do Google para lançar serviços premium e as dificuldades enfrentadas pela Meta ilustram a transição complexa entre inovação tecnológica e sustentabilidade financeira.
Nesse contexto, a vantagem competitiva se desloca para quem combina tecnologia com propósito. Estudos do MIS (BR Media Group) indicam que micro e nano influenciadores — mais próximos de suas comunidades — tendem a usar a IA como ferramenta de amplificação, sem abrir mão da autenticidade. A mensagem é simples: a IA potencializa técnicas, mas não substitui identificação, credibilidade e escuta ativa.
Em paralelo, crescem a pressão regulatória e a demanda por transparência. Premiações do setor já exigem a declaração de uso de IA nas campanhas, sinalizando um movimento de responsabilidade e rastreabilidade na criação sintética. Propostas de códigos de integridade — como um possível “ISO criativo” — expressam a urgência de estabelecer regras que preservem a confiança pública diante de avatares e narrativas fabricadas.
A lição é dupla: a inteligência artificial amplia possibilidades e acelera processos, mas também escancara a diferença entre técnica e sentido. Onde houver apenas técnica sem propósito, a escala será sinônimo de ruído. Onde a tecnologia servir para amplificar uma verdade já existente, ela funcionará como lupa — multiplicando o impacto. Para mim, esse é o ponto central: a IA não substitui a voz humana, mas pode ser a ferramenta que dá potência a quem sabe o que quer dizer.
*Eduarda Camargo é Chief Growth Officer (CGO) da Portão 3 (P3), fintech que já transacionou mais de R$10 bilhões e apoia mais de 5.000 empresas na América Latina com cartões corporativos e gestão de pagamentos. Eleita Top CMO pela Fincatch, Eduarda também é mentora de dezenas de mulheres em tecnologia e negócios.

