A decisão da Meta de repassar integralmente os impostos aos anunciantes brasileiros a partir de janeiro de 2026 reacende uma discussão antiga e, ao mesmo tempo, extremamente atual: quem deve arcar com o custo da tributação no ambiente digital? As multinacionais que concentram bilhões de dólares em receita ou os milhares de pequenos e médios negócios que dependem da publicidade online para sobreviver?
Segundo comunicado enviado aos clientes, a Big Tech deixará de absorver PIS/COFINS (9,25%) e ISS (2,9%), resultando em um aumento imediato de 12,15% no preço final dos anúncios no Facebook e no Instagram. A justificativa oficial se ancora na transição para a nova reforma tributária brasileira, que introduz o IVA e os futuros CBS e IBS. No entanto, olhando para o contexto mais amplo, percebe-se que a decisão da Meta vai além de ajustes burocráticos: trata-se de uma escolha estratégica sobre quem carrega o peso da tributação na era digital.
Aparentemente, o movimento é “neutro”. Afinal, a empresa afirma estar apenas “se alinhando às práticas do mercado brasileiro”. Mas, na prática, a medida transfere diretamente para os anunciantes um custo até então absorvido pela própria companhia. Para gigantes como a Meta, com margens de lucro extraordinárias, 12,15% pode parecer irrelevante. Para microempreendedores que sustentam seus negócios com campanhas de R$ 200 por mês, essa diferença pode significar menos alcance, menos clientes e, em última instância, menos chances de sobrevivência.
Vale lembrar que mais de 90% das empresas no país são micro e pequenas. No ecossistema digital, elas dependem fortemente de anúncios segmentados para competir com marcas maiores. O aumento pode parecer técnico, mas na prática cria uma barreira adicional de entrada e manutenção no jogo competitivo. O risco é que, ao tentar corrigir distorções fiscais, a conta recaia justamente sobre quem menos pode pagar.
Outro ponto crítico é a assimetria de poder entre plataformas globais e governos nacionais. A reforma tributária brasileira busca simplificar o sistema e garantir maior transparência. Mas, ao repassar os custos de forma imediata e sem contrapartidas, a Meta dá um recado claro: continuará blindada em sua lógica de maximização de lucros, enquanto usuários e anunciantes locais absorvem os impactos. Cabe questionar se não caberia às big techs um esforço maior para suavizar a transição, especialmente em um país que figura entre os maiores mercados de redes sociais do mundo.
Há, ainda, um debate mais amplo. A publicidade digital se consolidou como principal via de acesso ao consumidor e, ao mesmo tempo, como fonte dominante de receita para plataformas como Facebook e Instagram. Ao se tornarem praticamente monopólios no campo da atenção, essas empresas também se tornam “impostos privados”: definem regras, preços e algoritmos que afetam diretamente a sobrevivência de milhões de negócios. A decisão de 2026 apenas explicita essa dinâmica: quando a plataforma decide, o mercado inteiro se adapta.
Se olharmos para o macro, grandes empresas podem até recuperar parte desses impostos. Mas startups em early stage, agências de tráfego, SaaS B2B ou fintechs que giram capital de giro no limite vão cortar mídia, exatamente quando mais precisam dela para escalar. O efeito colateral? Menos diversidade no mercado, mais concentração em quem já é dominante e um ecossistema menos competitivo.
Globalmente, há tentativas de balancear esse poder. Na Europa, legislações como o Digital Markets Act buscam frear abusos e criar mais equilíbrio. No Brasil, o debate ainda engatinha, mas o PL das Fake News e a própria reforma tributária mostram que o tema entrou na mesa. A questão é se a regulação conseguirá proteger de fato quem mais depende dessas ferramentas para sobreviver.
No fim, o aumento anunciado pela Meta não é detalhe contábil. É um lembrete de que a economia digital, que prometia democratização, ainda reforça desigualdades estruturais. Se nada mudar, 2026 pode marcar o início de um mercado publicitário mais caro, mais concentrado e muito menos democrático para quem constrói no B2B, tecnologia e serviços.

Eduarda Camargo é Chief Growth Officer (CGO) da Portão 3 (P3). Eleita Top CMO pela FinCatch, Eduarda também é mentora de dezenas de mulheres em tecnologia e negócios.